segunda-feira, janeiro 29, 2007

O coração das entrelinhas

Foi há já muitos dias que,
com o desvelo que os anjos não sonharam,
me entreabriste a boca
e a encheste de rosas.
As pétalas eram tão minhas
que pareciam linhas dos teus dedos que, sem querer,
me tocavam

Sílaba a sílaba,
levei todos os dias desta jornada
a descobrir as maravilhas

Sabia das maravilhas,
não dos segredos que contas
ao espelho
que dá contas e contos
à tua vida

Levei esta jornada a querer coroar das rosas
que me trouxeste: no teu cheiro agri-doce,
na voz lânguida que descia sobre o meu corpo,
nas tuas mãos macias

O tempo quis que sorvesse
o ar jovial,
do passado que não te deixou marcas no rosto,
mas no coração das entrelinhas

Corpos que, encaixados, traçavam linhas perfeitas, os nossos.
A minha perna que te cobria do mundo:
o teu cansaço que não me exasperou.

Levámos esta jornada
a querer dar mais e mais e mais.
Um para o outro acarretávamos, sem saber,
a água para matar as sedes

Levámos esta jornada,
para chegar à fonte e deixar a água suada sujar-se de mundo.
Eu fiquei a olhar-te, cheia de sede.
Tu deste de beber ao medo e ao espelho
Num despudor pela leva
e pelo coração que guardo, sempre jovem.