quinta-feira, setembro 28, 2006

Branco, meio-seco

Na tua presença vestida de branco
na tua loira e altíssima
elegia verde vital
há a barreira da neve.
A barreira alva, depois de um vestido
de fogo
para derreter
o teu chão.
Ali, eu fiquei fria,
tu,
indiferente,
como quem só sorri
por cabo de fibra óptica.
Tu, como quem quase se confessa
a uma voz desconhecida,
como sempre,
como dantes,
como agora - mútua e consecutivamente.

Hoje queria-te nu,
meio-arrogante, espumante meio-seco.
Olhar esgaseado,
mente alcalina
e cheiro suave.
Perfil inseguro,
coração sem mácula
mas vazio.
Ainda assim, é como se pudesse percorrer todos
os poros do teu corpo
só de os pensar.
Deixa-te ficar nesta cama que
vestirei de branco.
Trouxe para ti o lençol
que ela usa aos domingos.
A tua mancha confunde-se nela.
Eu guardo para mim a vossa imagem.
Dispo-te. Fica. Não digas nada.
Se mácula ficar, será do teu coração sem
carne, sem sangue, sem história.
Fica e deixa-me amanhecer contigo.

quarta-feira, setembro 27, 2006

Um seu melhor vestido

Até logo
pressupõe um brilho
maior,
uma possibilidade de
querer.
Visto-me para
um meu melhor
vestido,
tiro o excesso da sobrancelha,
ilumino olhar.
Quero crer-te,
quero cozer os teus sentidos
nos dias em que, adolescentemente, querer
passa a ser importante.
A luz do teu sexo brilha noite e dia.
Ofusca-me. No escuro, torço o teu querer
para que aquele brilho, finalmente, desimporte, emudeça, fique baço.
Nos dias em que querer
passar a ser (des)importante
poderei finalmente
tocar-te.
Depois - e porque não quero ver a morte súbita -
desce do pedestal,
desce, desce, desce para afastar os meus piores pesadelos:
sabes, cheiras, tens cor.
Levo-te para longe,
onde o azul se veste
para um seu vestido
melhor

terça-feira, setembro 26, 2006

Um cigarro com pouco veneno

Peço socorro
e (des)gastas-me
peço ajuda e
silencias-te
peço união
e falas de ti
peço luta e
dizes paz
grito o grito derradeiro
e acedes: "mais um cigarro para fumar -
só mais um, para gastar com um pouco menos de veneno, por favor"

sexta-feira, setembro 22, 2006

Verdete

Já procurei a minha carta,
os astros dos outros,
Tentei lembrar a luz nos teus olhos.
Um grito de vidro fosco
não deixa explodir.
Quero agarrar-te e morder essa luz,
já verdete,
na minha imaginação
loira e essencial.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Mercearias de Domingo

Hoje és alguém que vai comigo ao super comprar papel higiénico e não me dá a mão. Alguém que está sempre farto do mundo, com cara de caso e (en)fado. Beijas e abraças por favor, após pedido expresso e verbal. Porque os dos olhos, impressos na tua pele, há muito deixaste de ler. Mesmo com a coisa solene, viras as costas - tens sono. Tens sempre sono ao pé de mim e não suporto que ressones e me acordes com um hálito fétido. Andas com ar de maltrapilho, cabelo por cortar, olhos mortiços...E eu...Eu nem calar-me sei. Não consegui ainda aprender a calar, porque me aflige tua a falta de desejo. Porque mesmo com uma camisolinha de dormir nova, me sinto dentro de um saco de cebolas. Quanto menos desejo tens, mais eu critico. E não calo. E critico. E digo. E redigo: como pareces fazer favores; como deves cortar o cabelo; como deves ir ao médico; como falas alto; como tens falta de respeito pelos outros...Não consigo. Não consigo parar. É como se a minha Palavra pudesse fazer diferença. Mas tu já a mataste com o insecticida que comprei na mercearia fechada. E eu quero pisar este silêncio que se ouve e também não consegue parar. E só me diz e repete – «nada, nada a fazer». E eu posso saber todas as cabriolas do circo e ser a melhor trapezista do mundo. Mas tu fazes notar bem que nada do que diga te faz mudar. Porque já não olhas para o trapézio e até nem gostas de circo. Mas hoje é domingo. Amigável e correcto, vens comigo comprar papel higiénico. Carregas educadamente os sacos e não limpas a minha solidão.